A Itália era um Estado recém-unificado, e os italianos não tinham uma consciência nacional definida, e o que imperava na época era o regionalismo. Essa mentalidade foi trazida para o Brasil pelos imigrantes, influenciando seus padrões de casamento. Conflitos, animosidades e preconceitos entre italianos de diferentes regiões foram igualmente transportados e vivenciados pelos italianos no Brasil. Com o passar do tempo, porém, essa perspectiva regionalista foi sendo suavizada pois, uma vez no Brasil, italianos de diferentes regiões eram tratados pelos brasileiros como sendo iguais, pois essas diferenças regionais eram desconhecidas pelos brasileiros. O contato com a sociedade brasileira fez crescer não apenas as taxas de casamento entre italianos de diferentes regiões, mas a própria união entre italianos e brasileiros ou com imigrantes não italianos.
A partir de 1910 verifica-se uma mudança no quadro, pois aumenta o número de casamentos entre italianos e brasileiras. Mas essa mudança deve ser analisada com cautela, pois na maior parte dos casos a cônjuge definida como “brasileira” era filha de italianos. Qualquer pessoa nascida no Brasil era definida como brasileira, independente de ser filha de estrangeiros. A partir da segunda década do século XX, há grande número de jovens brasileiras, filhas de italianos, em idade de se casar, que se uniam a homens italianos. Isto caracterizava uma “endogamia oculta” pois, apesar de serem brasileiras de nacionalidade, no plano étnico-cultural as cônjuges eram italianas.
Para os imigrantes, a escolha do cônjuge estava fortemente influenciada pelas condições de trabalho a que estavam submetidos. O colonato era um sistema baseado na força de trabalho familiar, e a sobrevivência ou mobilidade social passavam pelo matrimônio, daí a preferência por cônjuges italianos já inseridos naquele sistema de trabalho e com perspectivas semelhantes. Os italianos, nesse contexto social, eram compelidos pelos seus próprios familiares e por membros da comunidade a casarem entre si, dando origem a “famílias de produção”, que se formavam em torno do trabalho. Eram, portanto, famílias numerosas, com vários filhos que ajudavam no trabalho e no aumento da produção. Este modelo de família numerosa, dedicada à produção, era o desejado pelo governo brasileiro, que incentivava a imigração de famílias inteiras para o Brasil, ao invés de indivíduos isolados. Em decorrência, visando aumentar a capacidade produtiva, casais formados por dois cônjuges italianos tendiam a ter uma extensa prole, com uma média de dez a treze filhos. Em contrapartida, casais mistos, nos quais um cônjuge era italiano e o outro brasileiro, tendiam a ter número bem menor de filhos, não mais que quatro.
Em alguns casos extremos, casais de noivos interétnicos tinham que fugir de casa e manter relações sexuais, o que fazia o juiz suprir a necessidade da permissão do pai para realizar o casamento. Essas fugas também serviam para compelir o pai a aceitar a união, pois na época a perda da virgindade da filha antes do casamento maculava a honra da família, fato que poderia ser contornado com o casamento.
Com o passar dos anos, as taxas de endogamia entre os italianos cai. Embora boa parte seja efeito da denominada “endogamia oculta” (italianos se casando com filhos de italianos nascidos no Brasil), ela não é apenas explicada por isso, pois houve de fato um crescimento notável de casamentos e uniões envolvendo cônjuges de origem italiana com cônjuges sem origem italiana. A miscigenação entre italianos e brasileiros ocorreu sobretudo entre homens italianos e mulheres brasileiras, por diferentes fatores. Os pais brasileiros raramente se opunham ao casamento de suas filhas com homens italianos, enquanto que os pais italianos frequentemente se opunham à união de suas filhas com homens brasileiros. Havia uma discrepância entre o número de homens e mulheres italianos, sendo os homens mais numerosos, portanto, as mulheres italianas tinham grande disponibilidade de homens italianos para se casarem, mas os homens tinham um número mais limitado de noivas compatriotas disponíveis, aumentando as uniões com brasileiras. As mulheres italianas chegavam ao Brasil acompanhadas de seus pais e se casavam, na maior parte dos casos, quando ainda eram menores de idade, tendo que ter a permissão do pai para realizar o casamento, e este dava preferência para genros italianos. Os homens, por sua vez, muitas vezes chegavam ao Brasil sozinhos, desacompanhados de seus pais, e tinham maior liberdade em escolher suas companheiras. Os casamentos interétnicos entre italianos e brasileiros contribuíram para a integração da comunidade ítalo-brasileira no Brasil e no seu “abrasileiramento”. Em um levantamento entre estudantes do Oeste Paulista, dos sobrenomes de 224 alunos, 108 (48%) tinham sobrenomes italianos e desses, 61 (56%) também tinham sobrenomes não italianos.
A segunda geração de imigrantes, ou seja, os filhos de italianos já nascidos no Brasil apresentavam índices de assimilação mais extremos, devido ao elevado número de casamentos com a juventude brasileira. Esse fenômeno era mais acentuado nas áreas urbanas do que nas rurais e mais nas fazendas do que nas colônias. Mas, mesmo nas últimas, esse fenômeno não era pequeno, como observou o cônsul da Itália em Santa Catarina: “Os casamentos entre um italiano e uma brasileira, entre uma italiana e um brasileiro são comuníssimos, e seriam ainda mais frequentes se a maior parte dos italianos não vivesse segregada na roça”. Com o passar dos anos e a suspensão da emigração, até nos núcleos coloniais os casamentos foram perdendo seu caráter de mononacionalidade que prevalecia na origem.
Dany Cris
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